#HappyBday Cássia Éller

Hey pessoinhas, tudo good?
Ontem uma das minhas cantoras brasileiras preferidas completaria 51 anos.
Cássia Rejane Éller nasceu em 62 no Rio de Janeiro, e foi reconhecida como a 8ª mais bela voz do MPB, segundo a revista de musica Rolling Stone. Seu interesse pela musica surgiu aos 14 anos, quando ganhou seu primeiro violão. Tocava principalmente Beatles. Já foi corista (cantora de coral), cantora de uma banda de forró (sim gente!) e fazia parte de um trio elétrico (oi?!) em Brasilia, onde se mudou aos 16 anos, e tocou surdo em grupo de pagode. Foi em 81 que a garota ascendeu no mundo da musica em um espetáculo de Oswaldo Montenegro.
Aos 19 anos, em busca de sua independência, mudou-se para Belo Horizonte, onde trabalhou como servente de pedreiro.
Em 12 anos de carreira, Cássia gravou 10 álbuns próprios, interpretou canções de Renato Russo, Cazuza, Frejat e de Nando Reis.
Era bissexual assumida, morava com sua parceira e cuidava de filho Chicão.
Em 2001 se apresentou no Rock in Rio, no mesmo palco que R.E.M., Barão Vermelho, Foo Fighters e Fernanda Abreu.
Aos 39 anos, ao auge de sua carreira, aquela mulher com seu timbre peculiar, grave e rouco sofre um infarto, no dia 29 de dezembro. Especulam-se que ela poderia ter sofrido overdose, já que era usuária de cocaína desde a adolescência, mas os laudos médicos descartam essa opção.
Cássia deixou um grande legado à cultura musical brasileira. Grandes canções, sua voz maravilhosa e a forma que ela interpretava, a emoção, faziam-na ser uma grande artista. Uma grande mulher.
Hoje, eu pesquisando um pouco mais sobre a vida de Cássia, encontrei um depoimento do Nando Reis sobre ela, que foi sua grande amiga e alma gêmea de espírito.

"Havia decidido não escrever nada sobre a Cássia, especialmente sobre a Cássia e eu, nesse momento de sentimento ambíguo de comemoração que lembra a perda. Achava que o lançamento da primeira-metade (explico mais tarde) desse Relicário diria tudo. No entanto, bateu uma saudade e me deu vontade de falar dela.
'Bateu uma saudade e me deu vontade de falar dela'
Por coincidência me pediram esse artigo na mesma tarde, quase no mesmo instante que eu abria o disco novo da Gal, Recanto, só com músicas que o Caetano escreveu pra ela. E sem vergonha nenhuma, muito pelo contrário, digo que a minha transa com a Cássia tem tudo a ver com a Gal e o Caetano.
Não há nada mais lindo do que a voz de uma mulher, e essa noção construí ouvindo a voz de minha mãe. E o que eu sempre quis mesmo é ficar nesse lugar, de ouvinte, ser o receptáculo, um espectador - com recato nesse meu modesto canto, recantado. Componho pra dar forma ao caos que trago, engasgo, trafego e naufrago - é assim que dele posso me aproximar sem também sumir de mim. Alto míope inverso, quase cego, não enxergo mesmo é o que está mais perto.
Com a Cássia encontrei essa via, essa viagem, esse dia. Sim, o Segundo Sol é o nosso marco. Zero muito. Inferno múltiplo. E segundo sol que quebra a ideia de que há verdade absoluta. Por um segundo o sol isola a própria identidade, desenhando na calçada a imagem de nossa pessoa em contorno, como a estátua da face escura: CÁSSIA. Sua voz é a voz que grita o meu muitíssimo-mutismo silêncio-surdo, aquele que no peito dos desafinados também bate (feroz e veloz) um coração.
Nos tornamos amigos, muitos anos depois do nosso primeiro encontro, quando identicamente detestamos ter que falar um com o outro, estranhos que éramos por natureza e por delimitação protetora do perímetro de nosso íntimo sítio. Ela disse 'oi', ouviu as músicas que eu queria mostrar, e depois… "tchau". Foi-se embora na hora certa que só o jeito de quem não sabe como se despedir vai embora pra não sumir jamais.
Reunir as músicas minhas que ela gravou num mesmo disco reedita de certa forma esse estranho encontro. Muito estranho encontro. Estranho como se o repertório do Com Você - O Meu Mundo Ficaria Completo tivesse só músicas minhas, como ela queria naquele momento (quando estávamos apaixonados pela tranquilidade que o reconhecimento de que nossa alma-gêmea-mútua-dessemelhante-por-esquisitice trouxe às nossas vidas) eu, por sábia percepção, disse não.
Propor, realizar e lançar esse disco é expor o ápice dessa aproximação. É a minha paradoxal confirmação na forma expressa e desastrada que contém toda declaração de amor.
Aqui digo e divido o que sinto sobre sua importância: minha admiração, minha paixão, minha dependência, minha síndrome de abstinência, minha vaidade, minha timidez, minha limitação descomunal exibida e revertida na grandeza de sua voz-tamanha. E que eu, como um comum, ouso e digo por nós.
Pra não fugir ao que disse no princípio do artigo, esse disco é a primeira-metade do Relicário-imenso-desse-amor. A segunda virá na forma livro-disco cujo conteúdo será: as cartas que mandei pra ela, as demos, tais daquelas conversas, e a história de cada uma dessas músicas. E o retrato da multidão que fez de nós, eu e ela, capazes de fugir da timidez e explicitar o barato do riso de encontrar finalmente um par para não sobrar com o mico-preto.
O que eu mais gosto do que diz esse disco é justamente pisar de novo no chão onde o rastro dos meus riscos está devidamente encadernado por todos os outros que estiveram em ação. E assim, resumido, dar nessa data os "parabéns!, de quem aprendeu que um 'tchau' pode ser o 'oi' eterno." Com saudades.
"

Nando Reis e Cassia Eller nunca foram namorados, amantes, ou nada que pudesse ser tachado a partir de qualquer nome "oficial" de relação. Mas é certo que eles possuíam uma relação muito especial, e Cássia, durante sua carreira, foi uma das vozes, senão a voz mais importante das canções de Nando Reis.
E foi em homenagem a Cassia Eller que Nando fez uma de suas músicas mais conhecidas "All Star", uma música cheia de detalhes e referências pessoais. Reza a lenda que uma vez, quando Nando ia escrever para Cássia, não sabia seu endereço, rua, CEP, etc. em que ela morava.E vieram muitas inspirações dessa relação de amor entre os dois. Nando reis, numa entrevista para o canal fechado GNT, declarou:

"A forma com que eu escrevo a história da minha relação com Cássia, de amizade, de amor, e tudo mais, é uma forma muito lúdica, cheia de imagens, o elemento que eu uso para falar de nós dois é o tênis dela, o Allstar azul, e o meu, preto de cano alto. Eu fui para um ensaio, ou tuma gravação, não me lembro, com um terno preto muito justinho, com um tênis All Star de cano alto, porque eu sabia que ela tinha um All Star azul. A Cassia ficou boquiaberta, e eu achei a maior graça"

Sobre a questão do bairro das laranjeiras, Nando disse:

"A partir dessa imagem, e do fato dela morar no bairro de Laranjeiras, que eu achava que era mei, por causa da cor-de-laranja (Cássia chamava Nando de Laranjinha, pelo seu cabelo ruivo), é como se eu chegasse num lugar e dissesse: a laranja voltou para as larenjeiras, isto é, eu entrava num pomar, que sorria ao me receber, e era a forma que eu me sentia com um sorriso ao ser recebido na casa dela"

E, numa entrevista dada para a revista Simples, em março de 2005, Nando reforça a importância de Cássia na sua trajetória:
Pode-se dizer que a presença de Cássia Eller foi fundamental nesse seu processo de desligamento dos Titãs, já que foi ela quem o evidenciou como grande compositor e artista “individual”. E hoje, qual é a importância dela na carreira de Nando Reis?

"É engraçado: o tempo passa e a compreensão da presença e da importância dela permanece absolutamente viva. O “All Star” costuma ser o auge de emoção dos meus shows. E é uma música descritiva da minha relação com ela. É muito triste ver sempre interrompida – no momento em que foi interrompida a vida dela – aquilo que seria sua participação na minha vida. Mas a música tem uma eternidade. E ter tido tantas músicas gravadas por ela – e uma grande parte dessas músicas estarem tão presentes naquilo que eu faço hoje – faz com que a Cássia continue sendo uma parceira e uma idéia muito presente."

Mas você não faz mais as suas músicas para a voz dela, como diz na letra de “All Star”...

Cara, volta e meia eu penso assim: “Puta, a Cássia cantando essa música ia ficar lindo!”. Pela força espantosa de nossa afinidade, nossa história seria “pra sempre” se ela estivesse viva, ainda. Eu, sinceramente, não fico cutucando a lacuna. É sofrido e, de certa maneira, já foi uma puta realização. Eu tenho que olhar pras coisas que foram feitas – e elas são muito grandes. É a sorte de ter coisas que aconteceram, e não só desejos que não foram. Eu teria milhões de possibilidades. Inclusive uma, da qual eu tinha total consciência, de que haveria um ponto onde a gente iria ter que se separar, mesmo ela estando viva. É tão eterna a aliança que, mesmo separados, estaríamos juntos.

Você pensava na inevitabilidade da separação, então?

A partir de um momento, eu achava que a Cássia teria que ter outra experiência, porque aquilo teria que se transformar. Eu não considerei nenhuma das relações de trabalho que tive como se elas pretendessem além daquilo que alcançavam no momento da realização. No caso da Cássia, irreversivelmente não há mais futuro – porque ela morreu.

E justamente aquela conversa que não terminou, que dá a noção, ao mesmo tempo, de infinitude e incompletude. Infinito e incompleto. E ficam as imagens, do elevador, do tênis, do bairro das Laranjeiras, e do tom de voz certo para as canções de Nando Reis. Enfim, uma canção de amor. Nando Reis manteve guardado o All Star preto de cano alto. O azul de Cassia foi incinerado após a sua morte, segundo a revista TRIP de julho de 2005.

All Star - Cássia Éller
Fonte: Estadão e Musica em Prosa

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